Não sei se é uma regra, mas quando comecei a treinar Parkour foi muito difícil a aceitação da população. Muitos dos xingamentos e proibições da utilização de alguns espaços vinham em função do medo do desconhecido por essa nova apropriação dos espaços urbanos. Hoje, com muito mais facilidade, é possível conversar sobre esse assunto por causa da quantidade de veículos de comunicação que divulgam a atividade e também por causa dos eventos de Parkour que acontecem por todo mundo e colocam praticantes mais em contato uns com os outros.

Lembro que romper com o paradigma de treinar na frente de uma agência bancária, por exemplo, era muito difícil. Sempre os seguranças do banco falavam algo do tipo: "Isso que vocês fazem aí compromete nossa atenção na segurança do banco." E por aí vai... Casas abandonadas vinham sempre seguidas de abordagens policiais na procura por drogas e que acabavam por achar apenas moleques saltando.

Por fim, as praças se tornaram nosso maior ponto de encontro e de treino. Nelas fizemos treinos físicos, conversamos sobre a atividade, marcamos encontros estaduais e é até comum que cada estado tenha uma preferida.

O que me pego pensando ultimamente é que talvez, só talvez, tenhamos deixado o Parkour ficar preso nessas praças. Assim como as linhas do campo de futebol delimitam até onde o jogo pode ir e assim como eles possuem tempo definido e roupas adequadas para participar do esporte. Quando delimitamos o local do treino, parece que o percurso torna-se, definitivamente, do ponto A ao ponto B. Somente isso. Dentro apenas desse espaço e onde o “jogo” começa com data e hora marcada.

Questionei sobre isso ao observar o treino de alguns amigos e perceber que eles partilham desse ideal de não deixar o Parkour preso as praças (ou ao pico). A perspectiva que imagino de um Parkour livre é também de um Parkour para além do pensamento reducionista de mera atividade física. Distante de um Parkour limitado que impede a continuidade de um "flow" nas possibilidades cotidianas da vida do praticante.

Tenho dois amigos que já cortaram o cordão umbilical com as praças e hoje colocam a prova todo o fortalecimento que adquiriram com os treinos, em situações onde muitas vezes não se pode testar ou verificar as chances de algo dar certo ou não. Dessa forma também se quebram as linhas que delimitam o espaço do tracer e que faz com que ele passe a enxergar todo o espaço a sua volta e não somente o meio urbano. Espaço esse, que talvez por descuido dos próprios praticantes, se tornaram mais restritos.

Esse desligamento com o conforto das praças (ou do pico) proporciona para eles experiências novas a todo o momento e uma oportunidade de aprendizado e re-aprendizado em tempo real.

Outros amigos, não fisicamente da mesma maneira (mas psiquicamente) vêem deixando as praças e transcendendo a palavra Parkour para um percurso constante de melhora pessoal em seu dia a dia. Quando eu vejo postagens como a do Duddu sobre "Treino Não Convencional - Lavar Pratos"  isso põe em xeque que não existe hora ou lugar para se praticar a eficiência e o aperfeiçoamento; que a busca pelo "ser forte, para ser útil" não se atribui a uma atividade ou a uma situação específica e sim a um sistema de aprendizado sem fronteiras e que não delimita espaço até onde o seu treino pode ir.

Esse tipo de superação exige dos tracers (e de qualquer pessoa interessada em elevar sua vivência aqui na terra) que aprendam a se posicionar em um patamar de auto-gestão e proatividade; onde o parkour/percurso começa no dia em que você descobre a prática e termina no dia da sua morte. Até porque “ser forte para ser útil” apenas por algumas horas do dia, teria o mesmo efeito que determinar até que ponto você é um tracer.

O Parkour desde a sua criação quebra com a barreira de delimitações de espaços: seja ele físico ou psíquico. Cabe ao praticante o permanente questionamento sobre o que ele esta fazendo: uma autocrítica perene para que as convenções sociais não se fixem novamente em um espaço específico para nós.



Bons Treinos!!

Agradeço em especial aos amigos Duddu, Bruno Melo, Zico, JC, Tal e Edi, que me inspiraram  escrever esse texto. foda-se todos!

  
         

              

   
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